sexta-feira, 6 de novembro de 2015

CIDADÃO DO CÉU


O inferno tão temido. Nenhum dogma oferece tanta dificuldade ao homem de hoje como o da existência do inferno. Para os não-crentes é motivo de escândalo  e zombaria. Para os crentes, de ceticismo (dúvida) e repulsa.
Bertrand Russell, em seu livro "Porque não sou cristão", afirmava que uma religião  que fala de "pranto e ranger de dentes" é uma religião de crueldade. Outros sem chegar a tanto, se perguntam como um Deus de amor infinito pode condenar a sofrimentos sem fim suas criaturas. A pessoa não escolheu nascer, mas uma vez nascida, deve obrigatoriamente  começar a lutar pela vida. É justo correr o risco de perder-se para sempre por um momento de debilidade, vítima de uma lei imposta? Melhor é permanecer ateu, tentando viver o mais humanamente possível, sem dar-se por ciente de semelhante fé...
Desde Gênesis, Deus se manifesta como doador da Vida. Tudo que cria é bom, e cria particularmente o homem "muito bom" (Gn 1,31), à sua própria imagem e semelhança.
As palavras do Antigo Testamento valem mais ainda para o novo. Deus quer a salvação de todos os seres humanos  (1 Timóteo 2,4; 2 Pedro  3,9). Jesus anuncia a "boa nova" (Evangelho), desta salvação, incansavelmente (Marcos 1,15; Lucas 4,16-21; João 3,17 ).
Tanto  as bem-aventuranças (Mateus 5,1-12), quanto as parábolas  da misericórdia:
(Lucas15,1-31; Mateus20,1-16...) Nos revelam um Pai que BUSCA, CONVIDA, SE APROXIMA, ACEITA, PERDOA  E SE RECONCILIA com o pecador e o marginalizado.
No entanto existe a possibilidade da negação e da recusa. Jesus descreve com uma série de imagens as implicações vitais dessa recusa; perder a vida (Marcos 8,25); não ser conhecido (Mateus 7,23); ser deixado  fora (Lucas 13,27); ser excluído do banquete (Lucas 14,24)... A perda da comunhão com Deus fará o pecador vivenciar um grande remorso, ou seja, um "pranto e ranger de dentes"( Mateus 13,42).
Devemos devolver ao dogma do inferno sua seriedade. Para conseguir isto, é preciso que nos desembaracemos das descrições mórbidas das torturas que Deus parece comprazer-se em infligir ao condenado.
O Magistério da igreja afirmou claramente que o inferno não é uma criação divina e que de modo nenhum Deus destina alguém à condenação. A única "predestinação" do homem é o Reino do Céu, que já foi irrevogavelmente instaurado entre nós  por Jesus Cristo. Dito de modo mais claro, o Senhor nos tem preparada a mesa do banquete e não a caldeira do inferno.
O inferno é uma possibilidade real da própria liberdade humana. No final da vida humana termina o tempo de peregrinação e luta. Será manifestado, então, aquilo que fizemos de nós mesmos, por toda eternidade; nosso destino definitivo emergirá. Toca-se aqui a dimensão mais profunda do mistério da liberdade.

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